Alimentos, temperos, rodas, tampas de panela de pressão; nada como um dia na feira para comprar essas coisas tão essenciais a existência humana.
A feira livre é um convite a distração e ao caos urbano. Como é cosmopolita a feira da minha rua: a entrada é dividida entre uma colônia japonesa do pastel e um agregado de ex-trabalhadores bóias frias, que desistiram de cortar cana para vender o caldo da mesma. Nas primeiras barracas vendem-se artigos de manutenção e tunning de carrinhos de feiras – tão solícitos às velhinhas e às domésticas. Os responsáveis por essas barracas são, em grande parte, torneiros mecânicos que perderam o emprego nos anos 80 no ABC e não conseguiram galgar a presidência da república ou nem ao menos chegaram ao sindicato.
Continuando nosso world tour temos as barracas de queijos, estas controladas por uma máfia de descendentes de italianos com direito a sotaque forte da Calábria e muita banha no braço das suas senhoras mães e esposas. Os descontos só são concedidos para quem prove que também remete a pátria da pizza e do spaggeti. Depois, vem a barraca dos temperos e estas, por se tratar de um terreno ainda deverás nebuloso para o cidadão brasileiro, são ocupadas por mulheres viúvas, que coabitam entre gatos e corvos; sim, são bruxas. Só podem ser bruxas ou ex-hippies que, por seqüelas ou crença ferrenha no movimento, ainda não desapegaram-se das vestimentas mambembes e da fala quase semiótica.
Ainda temos as barracas dos tão amáveis peixes de feira. Um domínio oriental por excelência. Não me pergunte de onde vem o gelo e como ele se mantém por mais de 6 horas de feira com sol escaldante, nem como os peixes da feira são grandes e, seu estoque, infinito. Agora se o papel jornal é o melhor lugar para se conservar um peixe com mais de 2 metros de envergadura ou como dentro de cada exemplar marinho ainda encontra-se água (ou gelo) de modo à peça ficar mais pesada; a isso eu não tenho resposta.
Chegamos ao prato principal da feira livre: as frutas, os legumes, as verduras; as dúzias, as meia-dúzias, as pechinchas, ao leve-3-pague-2, ao deixa eu dar uma experimentada; por ai vai.
As cores e a gritaria parecem não ter fim. Para onde se olhe, as pessoas querem chamar sua atenção com gritos e gesticulações. Feirantes videntes parecem interpretar pensamentos e, ora já embrulham o produto, ora viram-se para outros fregueses, como se você, em menos de 1 segundo, você já dissesse Não, obrigado; mesmo que o que você tinha em mente era perguntar o preço do quilo, ou onde ficava o banheiro.
O profissional de feira, um tipo experiente, não perde tempo com clientes menores como eu ou você, eles querem as donas de casa com carrinhos volumosos ou velhinhas com bolsas de tamanho semelhante. Jovens, casais, office boys e pessoas em geral, só dão trabalho, pois insistem em pechinchar, em usar e abusar do sotaque paulista. O feirante, meus caros, não é bobo e tira todo mundo de letra, ele deve ter uma cota de vendas imaginária e por isso se não conseguir (ou perceber que não vai) vender nos 5 primeiros segundos de contato, passa a ignorar o mané que ulule na frente da sua barraca.
Outro fato que chama a atenção na organização desse micro espaço é a sua economia peculiar. Não estou falando do mercado de negócios entre empresas – B2B, nem mesmo do comércio formal de empresas com consumidores (seja por lojas próprias ou varejo), tampouco quero me referir ao comércio do mercado irregular, da pirataria.
O comerciante de feira tem uma política econômica que contempla a insana busca por descontos e, em muitos casos, a verborragia e a negociata funciona sim e se leva 4 pagando 2 – inda mais no fim de feira; não por acaso, o consumidor e o feirante, quando em sintonia, saem amigos só faltando um convite para jantar na casa do outro ou de tomar um chopinho numa hora dessas, devemos atentar para afinidades como torcer para o mesmo time da camiseta do feirante alvo, o que pode lhe render muitas vantagens econômicas e informações valiosíssimas, como Não vai na barraca do Anderson não, que tá tudo estragado. A economia do feirante é a de venda por escala, mas é quase impossível, ao gastar mais de R$10 numa barraca, não cair de amores e trocar algumas palavras entusiasmadas com o nosso tão retórico feirante.
O ponto da localização da feira é fundamental para o seu sucesso. Já vi feiras em viadutos, embaixo de pontes, em rotatórias gigantes, em praças, em estacionamentos. Mas verdade seja dita: a feira de rua é um sucesso. Digo a feira que toma de assalto as ruas alheias da nossa cidade. A feira que tomba caixas e caixotes às 4 da manhã. A feira que desperta sutilmente os moradores da rua tomada às 6 com gritos de Olha’o tomate! Olha’o tomate!
Sob um olhar de um biólogo, os feirantes se reúnem tão rapidamente, de forma tão uniforme, que perecem ser urubus atraídos pela carne de um hipopótamo em estado de putrefação ou como formigas se lançam a caça de um bolo de casamento que acidentalmente acabara de cair próximo ao formigueiro.
A questão é que por mais distante um do outro que os feirantes possam morar, eles se reúnem no mesmo local, na mesma hora e, após 10 minutos, dão fim aos seus caminhões. Na certa os escondem em estacionamentos secretos, em cumplicidade aos moradores que margeiam a feira. Como em filmes de ação, os feirantes sabem esconder caminhões, sujeira, armas, escravos bolivianos e cadáveres dos seus inimigos. Se você já viu o filme 60 Segundos, ainda não tem noção de quão dinâmica pode ser o processo de pilhagem e esconderijo de simples feirantes.
Arriscar-se numa feira livre é conhecer o último resquício babilônico na cidade ou um convite para refrescar-se ao tomar um caldo de cana com limão, com gostinho de abacaxi, que pode vir a ser tamarindo.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
Um dia na feira
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Um comentário:
Há mais coisas entre as árvores e a feira do que sonha nossa vã filosofia.
Parabéns pelo relato. Gostei muito!
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