sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Casperito (tinha que vir algo assim)

Essa é uma história verdadeira.

Em 1988 nasceu Casperito.

Nasceu com caspa já, e de tanta caspa os cabelos eram brancos.

A mãe não conseguia entender, muito menos o médico.

Mas a conversa para explicar o fenomeno se deu mais ou menos assim:

"Senhora Mãe, não sei explicar direito. Mas seu menino já nasceu com caspa."

"Mas como isso doutor? Eu fiz tudo direitinho! Como foi que o Casperito nasceu com caspa?"

"Senhora Mãe, como se deu sua alimentação durante a gravidez?"

"Na base de muita farinha pura e côco ralado."

"Então está explicado. Farinha e côco ralado são as principais causas de caspa atualmente. Na verdade, farinha e côco ralado são a caspa."

"Mas, Doutor, e aquela história de seborréia e tudo mais que o pessoal falava? Era mentira?"

"Sim, Senhora Mãe. A verdade é que farinha é caspa do tipo A e côco ralado é caspa do tipo B. O pequeno Casperito tem os 2 tipos."

"Ok. Mas como posso curar isso?"

"Não Pode."

"Nem raspando a cabeça?"

"Não. Infelizmente ele está destinado a ter caspa pro resto de sua vida. Mas não se preocupe, isso não afetará em nada. Quem sabe ele possa ser o boneco de neve nas apresentações de natal? Ou o rapaz que tira a neve das ruas?"

"Mas, Senhor Doutor, nem nosso natal e nem nossas peças teatrais natalinas tem neve."

"Quem sabe ele pode virar padeiro?"

"É, quem sabe..."

E foi assim.


Casperito nasceu e logo encontrou no aspirador seu melhor amigo. Andava com o aparato o tempo inteiro, como as meninas andam com suas bolsas, Casperito andava com seu aspirador, e resolveu chamá-lo de Bob.

Bob era barulhento e, como diziam as professoras de Casperito, era muito bagunceiro. Não parava quieto um minuto se quer.

Os colegas de Casperito se acostumaram com o fato e as meninas achavam um charme o tal do Bob. Este, por sua vez, não queria saber de conversar com ninguém senão Casperito. Eram muito íntimos, tanto que tomavam banho juntos, dormiam juntos, jogavam bola juntos e estudavam para as provas juntos.


O tempo foi passando e Casperito começou a sair. Começou a namorar, mas Bob era muito ciumento. Insistia em mexer com a roupa das meninas, que por sua vez ficavam irritadas e abandonavam Casperito. Mas o menino não ligava, pra ele só uma coisa era muito importante na sua vida: Seu neston com granola. Enquanto Bob não ligasse para isso, eles se dariam muito bem.

Mas chegou aquela hora que os 2 começaram a criar personalidades próprias e Bob começou a andar com um pessoal diferente. O Liquidificador passou a frequentar as tardes de Casperito e Bob com muito mais freqüência, e o aspirador começou a namorar com a Batedeira. Casperito não ligou até o ponto em que Bob, fora de controle, começou a voltar para casa cada vez mais tarde (e cada vez mais bêbado) e sair somente com os outros eletrodomésticos.

Casperito, se sentindo abandonado decidiu seguir o caminho dos confeitos. Começou com um simples pão caseiro, passando para doces de côco ralado, depois para salgados com côco ralado, empanadas, os mais diversos tipos de pães até que, por fim, montou sua própria padaria.

Era um sucesso. Ninguém sabia qual era a mágica, a Senhora Mãe não revelava o segredo, quando lhe perguntavam, e Casperito simplesmente sabia que tinha o Dom. Antes um incômodo, a caspa agora era amiga de Casperito e lhe garantia seu salário, seu porsche, sua cobertura com piscina, suas viagens à Europa, etc. Todas as coisas que alguém que tem o Dom tem.


Com 50 anos, Casperito apresentava seus próprio programa de culinária, tinha seu próprio fã clube, mas continuava sozinho e não sabia o porquê. Tinha apenas a Senhora Mãe ao seu lado e sentia muita falta de Bob. Este, por sua vez, estava num buraco cada vez mais profundo. Sem dinheiro, abandonado pela Batedeira e sem o direito de ver seus 7 filhos, ele estava dormindo agora na rua. Vivia de esmolas e, com o pouco que conseguia, comprava Rum escuro. Pelo menos manteve a classe.

É chegada a hora inevitável em que os 2 amigos se encontrariam de novo. Casperito em uma de suas voltas ao parque, que deixavam o caminho como se fosse um lindo dia de inverno do hemisfério norte, senta em um banco para pensar em sua vida e os rumos que tomou, quando sente mais um pedinte lhe imploranto moedas. É claro, era Bob. Maltrapilho como estava, com seu casaco furado, suas luvas rasgadas, era quase impossível de reconhecê-lo. Mas Casperito sabia que era ele. E foi uma longa conversa.

"Bob!"

"Cas..."

"Quanto tempo, velho amigo! Me parece que a vida não lhe trata muito bem. O que acontece?"

"Uma moedinha pra comprar comida, por favor?"

"Tome. Aqui tem 100 reais em moedas de 1 centavo."

"Obrigado, Cas.. Quer ir tomar uma breja? Eu pago a conta."

"Nossa! Mas é muito generoso! Você não muda mesmo.. É claro que aceito!"

E assim foram ao boteco mais próximo onde conversaram horas a fio e Casperito acabou pagando a conta.

Não podendo ver um velho melhor amigo naquela situação, o homem resolveu tomar conta do aspirador novamente.

Levou-o para casa, deu-lhe banho, comida, cama e roupa lavada. Recomeçaram a amizade, Bob recuperou o direito de ver seus filhos mas os negócios iam mal para Casperito. De uma hora pra outra seus confeitos, pães e massas perderam o brilho. Perdeu o programa na televisão, perdeu o fã clube e o Rei (Roberto) pegou de volta a rosa que tinha entregado ao homem casperiano.

Agora era Bob quem cuidava da casa, quem alimentava os 2 e quem pagava as contas. E estavam os 2 mais unidos que nunca.

Casperito, em sua depressão pós-cataclisma-da-vida, foi amparado por Bob, que por sua vez parou de fumar e reduziu em muito o que bebia. Passou a tomar uma taça de vinho tinto por dia, pois faz bem ao coração.

E assim os anos passaram, Bob se aposentou (agora com 110 anos, provavelmente) e ambos moravam em uma fazenda no interior, onde tinham uma vinícola e apreciavam a arte como ninguém. Mas é chegada a hora de dizer adeus, e Casperito, infelizmente, foi dessa pra melhor. Mudou-se para New Orleans. Mas morreu no meio do vôo.

Bob, inconformado, tomou toda sua adega em menos de 30 minutos e morreu caindo da rede na varanda da casa.

A Senhora Mãe, ainda viva e com uma saúde de ferro, resolveu fazer uma última homenagem aos dois e deitou-os no leito do antigo quarto de Casperito, no mesmo lugar em que ambos se conheceram, na mesma cama besuntada de farinha e côco ralado.

E, quem viu os dois naquela posição podia garantir que ambos estavam sorrindo, por estarem um ao lado do outro.

(Até pra escrever falta foco)

2 comentários:

renato santoliquido disse...

Emocionante.

Surpreendente, Cas..

Parabéns e bem vindo ao redemoinho da falta de ateção, Zéduardo, meu poeta do sul paranaense.

bjs

Fernando Spuri disse...

Sinto muito orgulho desta trupe.

Espero que o foco não venha com a idade.